segunda-feira, 30 de agosto de 2010

(V)idas

Esse filme permitiu-me fazer uma comparação com o drama, de Fernando Meirelles, Ensaio sobre a cegueira. Ambos são baseados em obras homônimas. A estrada baseada no romance de McCarthy e o Ensaio, na obra de Saramago.

Assim como no Ensaio, o longa A estrada não têm intenção de nos fazer refletir sobre causas nem sobre como remediar o que está posto. Tratam, prioritariamente, de uma questão: como o ser humano (re)age após uma catástrofe? No Ensaio sobre a cegueira, vi como personagem principal a epidemia, no filme A estrada vi, a catástrofe.

Não tenho intenção fazer crítica de cinema. A comparação serviu para situar-me acerca da abordagem do filme. Apesar das histórias serem diferentes, convergem em um ponto: o instinto de sobrevivência.

Durante os 112 min, do drama de Hillcoat, encontrei diversas respostas para questões como: “o quê/quem nos mantêm vivos?”; “o que nos faz querer seguir em frente, mesmo sem saber ao certo onde iremos chegar ou o que iremos encontrar?”; “o que é ser justo?”; “por que/quem insistimos em sobreviver?”; “o que é ser bom ou ruim?”. Se em condições ‘normais’ nos embriagamos na relatividade dada a essas questões, em condições adversas, ou por que não dizer, sem condições, nossas certezas dissolvem-se na poeira espacial.

O filme reforçou minha convicção da potencialidade que temos para sermos o que quisermos ou o que necessitemos ser. Não há bons ou ruins, o que existe são seres que lidam de diferentes maneiras nas situações. Nem a pureza contida no garoto, tirou de mim essa ideia. Para mim, sua inexperiência o salvou de sua própria “maldade.”

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

CLICHÊS: VIVEMOS SEM ELES?

Clichê é aquele chavão, lugar-comum, aquilo que, de tão repetido, perde o sentido de ser dito, perde o vigor semântico e até emocional mesmo. Ou seja, não faz mais nem cosquinha. Podemos viver sem clichês? Diria que podemos. Mas, não conceberíamos o cotidiano sem a existência deles. Clichês nos cansam os ouvidos, mas também podem incomodar. E o filme "A Estrada" esfregou na minha cara vários clichês.

Fiquei tonta de raciocinar, de entender os meandros do filme, o roteiro, a fotografia, o sentido que o diretor quis dar em determinadas cenas... Tudo muito válido e ainda bem que existem essas questões. Mas, ironicamente, quando procurei um fio de pensamento para escrever esse comentário, adivinhem? Deparei-me com eles! Os clichês! Eles estão presentes o tempo todo no filme e pelo menos eu não me dei conta em um primeiro momento. Fui apanhada por clichês! Separei alguns deles para discutirmos

O HOMEM É PRODUTO DO MEIO - O filme aborda muito bem essa questão (tão bem que nem notei esse "clichezão" logo de cara"). O mundo pós-fim-do-mundo transformou aquele homem. Aquele pai que engoliu o desespero e o amor pelo próximo em prol de proporcionar dias melhores para o filho. Nem que sejam dias menos infelizes. Sem água, comida, amor, o pai vive e é ativo de uma realidade dura, na qual canibalismo e morte em vida parecem ventos que passam o tempo todo por eles, os envolvem, os beijam e dali não saem. Ali ficam. A brutalidade da vida embruteceu o homem. Embora não tenha conseguido o mesmo com a criança. Truque do diretor para amenizar o clima e adequar a película às convenções hollywoodianas? Mensagem subliminar de que as crianças são sempre boas? Isso já dá outra discussão!

O MUNDO ENSINA A VIVER - Em uma mesa de bar ouvindo algum ser humano dizendo isso pediria a conta. Mas, com o filme, entrei em contato com esse pensamento tantas vezes, tantas vezes essa ideia me consumiu que eu nem me apercebi dela em um primeiro momento. E ainda gostei! Ainda me peguei filosofando como nós aprendemos com o mundo, como nós somos ensinados com as dificuldades do mundo. Aquele homem reaprendeu a viver, ou seja, a sobreviver com o mundo que estava à frente dele e que, ao mesmo tempo, o consumia, fazia evairem-se as últimas pistas de que ali naquele cenário vivem seres humanos. O mundo os ensinou uma outra forma de vida, a morte em vida. E a morte em vida é um clichê! Mas o que fazer sem ela? Clichês desse tipo definem sentimentos e sofrimentos. Precisamos de definições em muitos momentos de nossas vidas. Respostas que não solucionem os problemas, mas que pelo menos os respondam.

NÓS NOS CONHECEMOS? - Atire a última pedra quem nunca pensou isso, mas não teve coragem de falar temendo ser considerado um piegas? Realmente, não nos conhecemos. Aquele homem lutando para continuar vivo numa sobrevida se conhecia? Saberia se seria capaz de fazer tudo o que ele fez se só tivesse tido contato com mundos cor-de-rosa? Naquele universo cinza, sem vida e cheirando à morte e desespero ele foi colocado face a face com uma parte dele que talvez nem soubesse que poderia existir. Perdeu a humanidade ou protegeu o pouco que lhe restava de humano em razão do filho? E nós? Nos conhecemos? Sabemos do que somos capazes numa situação-limite? Eu sei que é clichê, por isso nem me atrevo a perguntar isso em outro fórum que não seja esse! (rs.) A licença literária nos permite divagar por terrenos proibidos por nossas convenções sociais.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

CINZA A COR DO AMOR?

A Estrada

Cinza: primeira palavra que vem a cabeça ao lembrar o filme. O bom desse grupo é esse cuidado que acabamos tendo que ter ao fazer as leituras ou, nesse caso, assistir aos filmes. A fotografia foi algo que me faz tirar o chapéu. As paisagens me foram muito marcantes. Cenários cinza com paisagens sem vida (mundo sem animais, vegetação próxima à extinção) muito realistas com cidades em ruínas e veículos abandonados.

Após um evento cataclísmico (não explicadas as causas), pai e filho sobrevivem (tendo o filho nascido após o evento já ter ocorrido e assim não tendo conhecido o mundo como era antes) e seguem rumo ao litoral em busca de mais calor (o mundo se tornou muito fio após a catástrofe ecológica). Durante o percurso, a dupla vai encarar todos os desafios existentes daquela realidade: frio, ausência de comida e o maior deles: a fuga do canibalismo, um mal decorrente daquela realidade de extinção dos recursos naturais (animais e vegetais).

O filme faz refletir, inevitavelmente. Primeiro, pra quê continuar existindo nessa (sem?) perspectiva? Qual o objetivo de seguir adiante?

Na tragetória do filme, os encontros me chamaram a atenção: com os canibais, o velho e o ladrão. Canibalismo trazendo o retrato do limite humano de sociabilidade. Humanos comendo humanos, matando humanos, armazenando humanos como comida...

No encontro com o velho, a reflexão sobre a importância dada aos idosos (isso vale pra nossa realidade), naquele cenário de avaliação cotidiana, dos desafios pra sobreviver, me chama a atenção a perspectiva do olhar do menino, que desprovido da racionalidade adulta da programação de provimento, se desnuda de qualquer avaliação futura (poderia-se dizer imaturidade e falta de visão) e traz a tona (pra mim foi essa a intenção do autor) a reflexão sobre as possibilidade de os valores e a importância do ser humano, serem levados em consideração, naquele mundo.

Essa perspectiva se repete na cena do ladrão. O pai, já no seu limite, preocupado com o estado de saúde agravado, com a possibilidade de deixar o filho sozinho no mundo, se vendo com todo seu provimento roubado, ao reaver seus pertences, amedrontado e revoltado, não tem condições de perdoar o ladrão deixando-o sem nada (nu mesmo). O menino mais uma vez interfere e dá a oportunidade ao pai de experimentar uma visão singular, que aparentemente era única daquelas paisagens.

Era como se o autor pretendesse provocar realmente essa reflexão: não tendo o menino conhecido nosso mundo (como ele é agora), mas nascido e criado naquela realidade hostil, apesar de com o amor paterno, teria ele condições de ser um menino tão ingênuo e bom? Eu não consigo acreditar que sim. Experimentando tanta fome, medo, frio e dificuldades de toda ordem (como o medo dos canibais – homens maus), não consigo acreditar que aquele estereótipo de menino fosse possível. O personagem do menino foi assim, pra mim, um mimo, um afago, um suspiro aliviante nesse filme tenso, pretensioso, instigante e bem feito.
De fato, filme bom, apesar de tudo traz no fundo, reflexão sobre amor, cuidado, perseverança e fé. Mas acabei de assisti-lo pesada, reflexiva, acinzentada. Fiquei triste com o fim, pra mim foi mal feito. Poderia ser melhor.
P.S.: Não consegui descobrir o motivo da falta do dedo polegar de alguns personagens.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Terceiro Café - A estrada



O terceiro encontro do grupo 'Café com leitura' aconteceu no último sábado, dia 14/08, no Café Porteño, no bairro do Espinheiro.
Participaram do encontro: Ana, Lila, Bá, Manu, Anna, Leusa e Glenda. Discutiram sobre o filme A estrada, indicado por Manu Lins na reunião anterior.
O longa trata de um evento cataclísmico que atingiu a terra e coloca-nos diante da discussão: deve-se reagir num mundo pós-apocalíptico?
Na sequência, o grupo elencará sua leitura e opinião.

Próximo encontro:

Tema:
Literatura
Livros: O amor do pequeno príncipe - cartas a uma desconhecida (Antoine de Saint-Exupéry)
Para Francisco (Cristiana Guerra)

Indicação:
Anna Flávia

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A solidão em todos nós

'(...) descubra em si mesmo paciência o bastante para suportar
e simplicidade o bastante para acreditar.'
(p.86)

Nas dez cartas publicadas poucos anos depois da morte de Rilke, encontramos lições que devem ser aprendidas e vividas por todos nós em todos os tempos.

Mais que simples conselhos a um jovem escritor, 'Cartas a um Jovem Poeta' possui uma seleção de reflexões essenciais para a elevação do ser e uma excelente observação sobre a inspiração, que há de vir de dentro e não de fora, como muito se pensa.

Essa grandiosa obra de Rilke reúne a sabedoria de alguém que conseguiu enxergar beleza na tristeza e revelar a importância da solidão para o amadurecimento de cada um.

Rilke ainda foi além e conseguiu de uma forma única e poética mostrar uma intensa relação entre o amor e a solidão, como se para o primeiro existir verdadeiramente uma entrega ao segundo deverá preceder.


'(...) aquele amor permanece tão forte e intenso em sua lembrança
porque foi sua primeira solidão profunda.'
(p.71)

'De resto, deixe a vida acontecer.' (p.86)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Quando a maior obra é reconhecer o gênio no outro

Honrar um pensador não é elogiá-lo nem interpretá-lo, mas discutir sua obra, mantendo-o vivo, e demonstrando em ato que ele desafia o tempo e mantém sua relevância.”

(Cornelius Castoriardis)

Em nosso primeiro encontro, comentamos como foi feliz a escolha de Cartas a um jovem poeta, já que se tratava da compilação de conselhos do já então famoso Rainer Maria Rilke para um aspirante a escritor.

Franz X. Kappus diz, em sua introdução a esta obra (lemos a publicada pela L&PM Pocket), que “quando fala alguém grandioso e único, os pequenos têm de se calar”. Porém, nós somos pequenas e pretensiosas, o que impulsionou o nascimento deste coletivo.

A proposta de visitarmos diferentes obras, discuti-las e expormos nossas inferências sobre elas em textos, animou a todas, mas suscitou (aqui falo por mim) uma preocupação: e como fazer nascer este texto?

O interessante neste livro – dentre outros aspectos mais importantes – foi a opção de publicar-se apenas as respostas de Rilke, o que nos proporciona a sensação de que o poeta se dirige diretamente a nós, agora.

Estas cartas datam do início do século XX, no entanto, nos trazem reflexões atemporais, mostrando a relevância citada por Castoriardis (embora se referisse mais especificamente a políticos e estadistas – aqui transporto para a arte), através dos tempo deste artista-pensador. Evidencia também sua maturidade artística e emocional.

Esta maturidade à qual me refiro, creio que pode ser exemplificada, principalmente, por este entendimento (1ª carta) de que a resposta para as dúvidas e inquietações deve ser encontrada dentro de nós mesmos. O pressuposto para o desenvolvimento artístico, e também humano, seria a busca pelo autoconhecimento. Para isto, faz-se necessário um mergulho dentro de nós, investigando nossas motivações, a origem de nossos desejos e o reconhecimento do que é realmente vital para nós. Destas descobertas, pode resultar, inclusive, a renúncia ao que antes nos parecia imprescindível para viver.

Rilke fala em alguns trechos de suas cartas sobre a importância da paciência para “tudo que não está resolvido”(4ª carta). E não é exatamente assim na vida? Está aí, mais uma vez, ressaltado o caráter mimético da arte. Afinal, assim como um pintor precisa se demorar ao estudar seu modelo para traduzi-lo em sua obra, precisamos nós também nos demorar sobre o outro, sobre o mundo e sobre nós mesmos para interpretar de forma realista a existência. Esta é uma tarefa que só se obtém, com êxito, pela paciência.

Outra condição necessária, destacada pelo poeta, para o fazer artístico – e, mais uma vez podemos estender para a vida – é a solidão.

Ele chama a solidão de não-entendimento. De fato, não é um tipo de solidão que sentimos quando determinados fatos ocorrem, ou quando nos deparamos com certas atitudes do outro que são para nós incompreensíveis?

Quando temos ideais e sentimentos diferentes dos que nos cercam, isto é solidão. Mas esta também é a chance de descobrirmos nossa singularidade e interpretar o mundo de forma única e criativa, e talvez até produtiva e transformadora.

Em sua sétima carta, Rilke lembra que estes elementos (paciência e solidão) são difíceis de se alcançar, mas que nem por isso deve-se abrir mão deles. Segundo ele, “devemos nos aferrar ao que é difícil”.

Dentre outras coisas, ele diz que o amor é bom porque é difícil. Ainda: que o amor é a preparação para tudo, que é preciso aprendê-lo e que os jovens não estão prontos para ele. Amar, continua, é uma oportunidade sublime para amadurecermos, pois exige entrega, doação ao outro. Porém, até aí, fala do amor como sentimento. Adiante, afirma que a “comunhão” deveria ser o último passo. Chega a ser por um lado divertida e por outro triste sua visão do porquê os jovens devem postergar a consumação deste amor:

É aí que os jovens erram (...) gravemente (...) se atiram uns para os outros quando o amor vem, derramando-se da maneira como são, em todo seu desgoverno, na desordem, na confusão (...)

Então cada um se perde por causa do outro e perde o outro (...) troca-se a aproximação e a fuga de coisas quietas, (...) por um desespero infrutífero do qual nada pode resultar; nada mais do que um pouco de náusea, desapontamento e pobreza (...)”

Uau! Quem não reconhece um pouco disto em sua história? Mas afinal, por que devemos nos aferrar ao que é difícil? Ora, o que as facilidades nos ensinam além da comodidade, imaturidade e de nos tornar mimados? São justamente as coisas difíceis que nos proporcionam a chance de crescermos, evoluirmos! As dificuldades nos impulsionam/obrigam a sairmos do estado de inércia, nos acorda para a vida.

Nesta mesma carta, Rilke reproduz um soneto de Kappus. Sem querer ser injusta e leviana ao julgar o trabalho do jovem oficial(sequer estou habilitada para isso), não me pareceu grande coisa. Talvez me falte sensibilidade ou apuro para reconhecer seu valor, ou quem sabe, a tradução tenha lhe roubado a essência, o fato é que temos que reconhecer ter sido uma atitude sábia de sua parte publicar estes registros. Foi ele que permitiu que tivéssemos acesso aos valiosos pensamentos daquele artista (quase um manual para quem quer escrever) e sua lição de generosidade e humildade (afinal, mesmo sendo tão famoso e estando com sua saúde abalada, achou tempo, boa vontade e PACIÊNCIA para responder um desconhecido). Que essas constatações sejam um convite para conhecermos sua obra e deixar que ela nos inspire.

O mundo estava no rosto da amada

O mundo estava no rosto da amada -
e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.


CURIOSIDADES:

  • A tradução desta obra foi feita por Pedro Sussekind, mestre e doutor em filosofia, pesquisador do Departamento de Literatura Comparada da Freie Universität, em Berlim. Além de trabalhos de Rilke, traduziu também obras de diversos autores de língua alemã, como Goethe, Nietzsche e Schopenhauer. Rilke foi traduzido, também, por Manuel Bandeira e Cecília Meireles.

  • O poeta foi amigo e secretário de Auguste Rodin, com quem aprendeu algumas lições sobre apreciação da arte, o que influenciou seu trabalho.

MÁXIMAS A SE CONSIDERAR:

"Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado. Quero me recolher, me retirar das ocupações efêmeras. Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se aproximam e minhas portas se abrem..."

... a maioria dos acontecimentos é indizível.”

Procure o fundo das coisas; ali a ironia nunca chega.”

... quanto aos assuntos mais profundos e mais importantes, estamos indizivelmente sozinhos...”


Leu nossos textos? Nos dê o prazer de ler seu comentário. Citando uma última vez o autor de Carta a um jovem poeta:

... é importante e uma experiência inteiramente nova encontrar um trabalho próprio escrito com a letra de outra pessoa.” ;)


De mãos dadas com a solidão



A ansiedade do jovem Kappus diante de muitas indagações inerentes ao ser humano foi acalentada por Rilke através de poéticas cartas, entre os anos de 1903 e 1908. Embora o intuito de Kappus , a priori, fosse um aconselhamento sobre sua vontade de tornar-se poeta, o jovem foi presenteado com reflexões que, tanto ele quanto nós leitores (bem alheios ao remetente e ao destinatário), podemos levá-las por toda vida.
Rilke tratou com muita lucidez e doçura assuntos polêmicos e intrigantes como morte, solidão e amor. E por tratar-se de assuntos comuns em minhas indagações sobre a vida e o viver, as cartas tocaram-me como se destinadas a mim. Passei a repensar a morte, o amor, a solidão e, principalmente, a repensar o meu papel diante tudo isso.
Não nego que atentei, principalmente, para a solidão, pois experimentar o amor e a morte é inevitável, mas a solidão, há quem passe a vida tentando driblar .
Ora, ora, depois da confissão, não faz sentido a indeterminação do sujeito. Eu passei a vida tentando driblar a solidão. E Rilke me propõe encará-la, pegar em sua mão e senti-la porque através dela, chegarei cada vez mais dentro de mim e descobrirei quem sou.
Instigante a proposta? Ou talvez, enxergar-se e perceber-se seja ‘o lobo mau’ que assusta o solitário? Sigo descobrindo e deixo a sugestão através do poeta:

“Não se deixe enganar em sua solidão só porque há algo no senhor que deseja sair dela. Justamente esse desejo o ajudará, caso o senhor o utilize com calma e ponderação, como um instrumento para estender sua solidão por um território mais vasto.”(p. 64)
[...]
“É tão importante estar sozinho e atento quando se está triste: porque o instante aparentemente parado, sem nenhum acontecimento, no qual o nosso futuro entra em nós, está bem mais próximo da vida do que aquele outro ponto ruidoso e acidental, em que ele acontece como que vindo de fora.”(p.75)



Essa solidão, obviamente, como bem disse minha amiga Manu Lins, não me petrifica diante do outro, não impede a interação, mas sem dúvida, a torna melhor. 

domingo, 8 de agosto de 2010

"Canta que a vida é um dia..."


Ficamos esperando por muito tempo que tudo na nossa vida aconteça. Tem que ser já, tem que ser agora. Esperamos, esperamos, e? Nada! E agora? O que está faltando? Rilke me ensina que o maior responsável por essa espera infinda somos nós. Nós que, por muitas vezes, só sabemos esperar, esperar, esperar... esquecemos de realizar. De olhar para nós mesmos e nos questionar, nos inspirar, nos instigar. Tudo está em nós mesmos. Viver e ser é um ato solitário. A princípio não concordei com essa exaltação à solidão de Rilke, mas a compreendi. É a solidão de sermos nós mesmos, mesmo que com influência do meio, mas sejamos nós. Despidos de qualquer hipocrisia.
Não devemos pensar que por causa da referida solidão devemos estar isolados e alheios ao convívio (como cheguei a pensar no início). Essa solidão é maior do que um simples afastamento de tudo. É o encontro conosco e o amadurecimento diante disso. É quando percebemos que por mais iguais que possamos parecer estamos sozinhos em diversos pensares dessa vida. E isso não exclui o envolvimento afetivo (O que seria de mim?). Até porque o amor chega para nos ajudar a nos encontrar na mistura com o outro.

"O amor constitui uma oportunidade sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo, tornar-se um mundo, tornar-se um mundo para si mesmo por causa de outra pessoa..."

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A inspiração de cada um

Não vou aqui me arvorar numa crítica ao poeta, até porque ele se reviraria na sepultura, tão avesso que é às críticas. Em parte concordo com ele. Criticar o fazer do outro é sempre uma atitude mais confortável do que promover o próprio fazer. O fazer exige inspiração, criação pura, e isso se faz com alma. Alma de poeta. Apenas me aterei a impressões que me ficaram dessa prazerosa leitura.
Primeiro vamos à alma. A alma do poeta. Nos seus conselhos a um jovem Kappus, eis que Rilke meio que ensaia algumas fórmulas para a vida. E não só para a vida de quem quer ser um poeta, mas para a vida de qualquer um que tenha alma e nela reconheça a sua essência. E para começo de conversa, Rilke nos leva a pensar na inspiração. A inspiração que temos dentro de nós.
A inspiração de um poeta não é pautada pelo exterior, coloca Rilke, embora esse exterior lhe seja útil.
E esse pensamento tem até uma concordância com o aspecto fisiológico que a palavra imprime. Uma das entradas no dicionário da palavra "inspiração" remete ao fato de se colocar ar para dentro dos pulmões. Ora, o ar vem do exterior e este não só nos é útil como imprescindível. Isso pode nos levar a associar que a inspiração de um poeta vem de fora. No entanto, concordando com o nobre Rilke, de nada adiantariam caminhões de ar se não tivéssemos a capacidade de processá-los nos nossos pulmões. Ou seja, de que adiantariam todas as impressões do mundo se não tivéssemos a capacidade de processá-las com nossos sentidos mais viscerais? E víscera vem de dentro!
E por falar em interior, Rilke nos convida a voltarmos para dentro de nós. Que não olhemos para fora a esperar que um milagre nos adentre, mas sintamos que em nós integra uma capacidade extraordinária de processar, recriar e rejeitar o que vem de fora. E o que seria do fora se não fosse o dentro, não é mesmo?

Cartas que convidam à leitura das obras


Trocas de carta de um jovem aspirante poeta e o grande Rainer Karl Wilhelm Johann Josef Maria Rilke.

(Im) Paciência. Em alguns momentos é o que parece ocorrer com Rilke ao dar os retornos ao senhor Kappus, entretanto sempre com lúcida polidez, de dar inveja aos espíritos menos evoluídos como o meu.

Pra quem não conhece a obra de Rilke (como eu), acho que é um bom início começar com essas cartas. Dá pra se instrumentalizar um pouco sobre o “ser humano” Rilke. Em muitas passagens, traduções de pensamentos, maneiras de enxergar o mundo. Muita atenção e cuidado com os conselhos, sempre atenciosos e ricos.

Enfatizo o cuidado do mesmo com as críticas, do que o mesmo era um ferrenho opositor: “não há nada que toque menos uma obra de arte do que palavras de crítica: elas não passam de mal-entendidos mais ou menos afortunados, ajunta na terceira carta: “leia o mínimo possível textos críticos e estéticos – ou são considerações parciais, petrificadas ... ou são hábeis jogos de palavras, nos quais hoje uma visão sai vitoriosa, amanhã predomina a visão contrária”.

Rilke, na tentativa de não criticar, faz uma boa fala já na primeira carta, para que o jovem Kappus procure, antes de tudo, consigo próprio o que procurava saber dele (Rilke): “ Não há meio pior de atrapalhar o desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que apenas seu sentimento íntimo talvez possa responder, na hora mais tranqüila”. No meu entendimento, a partir da perspectiva dessa resposta, ele segue as demais cartas. Sempre enfatizando e aconselhando o jovem a valorizar tudo como inspiração. A saber ser, ele próprio, seu auto-termômetro. É como se pretendesse capacitá-lo para ser seu próprio crítico.

Ele enfatiza isso de maneira muito feliz na segunda carta, quando dá sua opinião acerca de conselhos: “...no fundo, e justamente quanto aos assuntos mais profundos e mais importantes, estamos indizivelmente sozinhos, de modo que muita coisa precisa acontecer para que um de nós seja capaz de aconselhar ou mesmo ajudar o outro, muitos êxitos são necessários, toda uma constelação de acontecimentos tem de se alinhar para que isso dê certo alguma vez.”

Por fim grifo a preocupação do poeta em tentar acender a percepção de Kappus, acerca da importância na habilidade de saber apreciar, lidar e usufruir da tristeza, da solidão, da paciência e do difícil. Na verdade, são temas muito recorrentes nas cartas (são cinco anos de correspondências – 1903 a 1908).
SOLIDÃO
“... ame a solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos lamentos.” (4ª carta)
“... é necessário apenas o seguinte: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é preciso conseguir isso. Ser solitário como se era quando criança...” (6ª carta)
“É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la” (7ª carta)
“... é tão importante estar sozinho e atento quando se está triste: ... o instante aparentemente parado... está bem mais próximo da vida do que aquele outro ponto, ruidoso e acidental..” (8ª carta)

PACIÊNCIA
“Alegre-se com seu crescimento, para o qual não pode levar ninguém junto, e seja bondoso com aqueles que ficam para trás, seja seguro e tranqüilo diante deles, sem perturbá-los com suas dúvidas nem assustá-los com uma confiança ou alegria que eles não poderiam compreender” (4ª carta)
DIFÍCIL
“... precisamos nos aferrar ao que é difícil; tudo o que vive se aferra ao difícil” (7ª carta)
“ Sabemos muito pouco, mas que temos de nos aferrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará.” (7ª carta)
“... o amor é difícil. Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação” (7ª carta)
TRISTEZA
“...avalie se essas grandes tristezas não atravessaram o seu íntimo, se muita coisa no senhor não se transformou, se algum lugar, algum ponto do seu ser não se modificou enquanto o senhor estava triste.” (8ª carta)
“... quase todas as nossas tristezas são momentos de tensão, que sentimos como uma paralisia porque não ouvimos ecoar a vida dos nossos sentimentos que se tornaram estranhos para nós.” (8ª carta)
Obviamente sem nenhuma pretensão crítica, entretanto não tem como não dizer: vale a pena. Eu recomendo!

domingo, 1 de agosto de 2010

Segundo Café - Cartas a um jovem Poeta


O segundo encontro do grupo 'Café com Leitura' aconteceu no sábado, dia 31/07, no Delta Café, no Recife Antigo.

Participaram do encontro: Ana, Glenda, Lila, Manu e Bá. Discutiram sobre o livro indicado por Glenda, na primeira reunião: Cartas a um jovem poeta, de Rilke.

As produtivas discussões levaram a consensos e dissensos que fomentaram resultados mais ou menos consensuados.
As impressões individuais serão elencadas e postadas na sequência.

Próximo Encontro:
Tema:
Cinema
Filme: A estrada. Um drama de 112 minutos, baseado no romance de Cormac McCarthy, vencedor do Pulitzer de 2007. Dirigido por John Hillcoat e tem como elenco: Viggo Mortensen, Robert Duvall, Charlize Theron, Kodi Smit-McPhee, Garret Dillahunt, Guy Pearce.
Indicação: Manuela Duque