segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Cartas que convidam à leitura das obras


Trocas de carta de um jovem aspirante poeta e o grande Rainer Karl Wilhelm Johann Josef Maria Rilke.

(Im) Paciência. Em alguns momentos é o que parece ocorrer com Rilke ao dar os retornos ao senhor Kappus, entretanto sempre com lúcida polidez, de dar inveja aos espíritos menos evoluídos como o meu.

Pra quem não conhece a obra de Rilke (como eu), acho que é um bom início começar com essas cartas. Dá pra se instrumentalizar um pouco sobre o “ser humano” Rilke. Em muitas passagens, traduções de pensamentos, maneiras de enxergar o mundo. Muita atenção e cuidado com os conselhos, sempre atenciosos e ricos.

Enfatizo o cuidado do mesmo com as críticas, do que o mesmo era um ferrenho opositor: “não há nada que toque menos uma obra de arte do que palavras de crítica: elas não passam de mal-entendidos mais ou menos afortunados, ajunta na terceira carta: “leia o mínimo possível textos críticos e estéticos – ou são considerações parciais, petrificadas ... ou são hábeis jogos de palavras, nos quais hoje uma visão sai vitoriosa, amanhã predomina a visão contrária”.

Rilke, na tentativa de não criticar, faz uma boa fala já na primeira carta, para que o jovem Kappus procure, antes de tudo, consigo próprio o que procurava saber dele (Rilke): “ Não há meio pior de atrapalhar o desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que apenas seu sentimento íntimo talvez possa responder, na hora mais tranqüila”. No meu entendimento, a partir da perspectiva dessa resposta, ele segue as demais cartas. Sempre enfatizando e aconselhando o jovem a valorizar tudo como inspiração. A saber ser, ele próprio, seu auto-termômetro. É como se pretendesse capacitá-lo para ser seu próprio crítico.

Ele enfatiza isso de maneira muito feliz na segunda carta, quando dá sua opinião acerca de conselhos: “...no fundo, e justamente quanto aos assuntos mais profundos e mais importantes, estamos indizivelmente sozinhos, de modo que muita coisa precisa acontecer para que um de nós seja capaz de aconselhar ou mesmo ajudar o outro, muitos êxitos são necessários, toda uma constelação de acontecimentos tem de se alinhar para que isso dê certo alguma vez.”

Por fim grifo a preocupação do poeta em tentar acender a percepção de Kappus, acerca da importância na habilidade de saber apreciar, lidar e usufruir da tristeza, da solidão, da paciência e do difícil. Na verdade, são temas muito recorrentes nas cartas (são cinco anos de correspondências – 1903 a 1908).
SOLIDÃO
“... ame a solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos lamentos.” (4ª carta)
“... é necessário apenas o seguinte: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é preciso conseguir isso. Ser solitário como se era quando criança...” (6ª carta)
“É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la” (7ª carta)
“... é tão importante estar sozinho e atento quando se está triste: ... o instante aparentemente parado... está bem mais próximo da vida do que aquele outro ponto, ruidoso e acidental..” (8ª carta)

PACIÊNCIA
“Alegre-se com seu crescimento, para o qual não pode levar ninguém junto, e seja bondoso com aqueles que ficam para trás, seja seguro e tranqüilo diante deles, sem perturbá-los com suas dúvidas nem assustá-los com uma confiança ou alegria que eles não poderiam compreender” (4ª carta)
DIFÍCIL
“... precisamos nos aferrar ao que é difícil; tudo o que vive se aferra ao difícil” (7ª carta)
“ Sabemos muito pouco, mas que temos de nos aferrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará.” (7ª carta)
“... o amor é difícil. Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação” (7ª carta)
TRISTEZA
“...avalie se essas grandes tristezas não atravessaram o seu íntimo, se muita coisa no senhor não se transformou, se algum lugar, algum ponto do seu ser não se modificou enquanto o senhor estava triste.” (8ª carta)
“... quase todas as nossas tristezas são momentos de tensão, que sentimos como uma paralisia porque não ouvimos ecoar a vida dos nossos sentimentos que se tornaram estranhos para nós.” (8ª carta)
Obviamente sem nenhuma pretensão crítica, entretanto não tem como não dizer: vale a pena. Eu recomendo!

10 comentários:

Unknown disse...

Adoreiiiiiiiiiiii sua leitura... e fiquei louca de curiosidade em ler esse livro....

Lila B. disse...

Ana, sem querer viajar, mas sobre este segundo trecho que você destacou, fiquei pensando nesta "hora mais tranquila". Lembrei de conversas anteriores com você e Glenda sobre mente tranquila, quieta e dar-se tempo para refletir sobre os acontecimentos em nossa vida. A modernidade parece ter nos tirado um pouco isso, não? Talvez daí as dificuldades em resolvermos tantas questões íntimas. Abraços.

Ana disse...

Lila, não é viagem de forma alguma. Muito pertinente na verdade. Essa questão Lila, na verdade, pra mim, permeia, perpassa e interfere nos mais diversos âmbitos da vida da gente. Na verdade, a gente, na maioria das vezes, nem pára pra pensar no quanto não pensamos. Digo `pensamos' no sentido de parar mesmo e verificarmos nossas demandas, nossos sentimentos. Acabamos sentindo uma série de coisas, vivenciando um tubilhão de experiências sem sequer nos darmos conta delas.
Isso pra mim é uma patologia da modernidade sim. Um mal que precisamos aprender a combater, pra não sermos mais outras pessoas perdidas. E olhe que isso não é fácil. Aprender a auto-exilar-se momentaneamente nessa confusão é complicado.
Boa demais sua reflexão.
Abração

Glenda Carla disse...

A modernidade é um rolo compressor bravo! Sai de baixo! ;\

Ana disse...

Oi Lígia,
Bacana eu ter te "contaminado" de vontade rs. Vale a pena ler. E eu também tô com muita vontade de ler "os cadernos de Malte Laurids Brigge". Porque essas cartas são aperitivos, apenas amostras do que deve escrever Rilke.
Abraço

Ana disse...

Csri,
O pior é que não tem como sair da modernidade. A modernidade somos nós, é nossa maneira de acordar, trabalhar, chegar em casa, dormir, brigar, interpretar, não parar... O que será que nos aconselharia o sábio Rilke a fazer nessa embriagante agitação que é a nossa vida?
Abraço

Leusa Santos disse...

Reflexão de fôlego a sua! Parabéns!

Anna Flávia disse...

Eu não conhecia e gostei muito. Também recomendo. :)

Unknown disse...

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