sexta-feira, 27 de agosto de 2010

CLICHÊS: VIVEMOS SEM ELES?

Clichê é aquele chavão, lugar-comum, aquilo que, de tão repetido, perde o sentido de ser dito, perde o vigor semântico e até emocional mesmo. Ou seja, não faz mais nem cosquinha. Podemos viver sem clichês? Diria que podemos. Mas, não conceberíamos o cotidiano sem a existência deles. Clichês nos cansam os ouvidos, mas também podem incomodar. E o filme "A Estrada" esfregou na minha cara vários clichês.

Fiquei tonta de raciocinar, de entender os meandros do filme, o roteiro, a fotografia, o sentido que o diretor quis dar em determinadas cenas... Tudo muito válido e ainda bem que existem essas questões. Mas, ironicamente, quando procurei um fio de pensamento para escrever esse comentário, adivinhem? Deparei-me com eles! Os clichês! Eles estão presentes o tempo todo no filme e pelo menos eu não me dei conta em um primeiro momento. Fui apanhada por clichês! Separei alguns deles para discutirmos

O HOMEM É PRODUTO DO MEIO - O filme aborda muito bem essa questão (tão bem que nem notei esse "clichezão" logo de cara"). O mundo pós-fim-do-mundo transformou aquele homem. Aquele pai que engoliu o desespero e o amor pelo próximo em prol de proporcionar dias melhores para o filho. Nem que sejam dias menos infelizes. Sem água, comida, amor, o pai vive e é ativo de uma realidade dura, na qual canibalismo e morte em vida parecem ventos que passam o tempo todo por eles, os envolvem, os beijam e dali não saem. Ali ficam. A brutalidade da vida embruteceu o homem. Embora não tenha conseguido o mesmo com a criança. Truque do diretor para amenizar o clima e adequar a película às convenções hollywoodianas? Mensagem subliminar de que as crianças são sempre boas? Isso já dá outra discussão!

O MUNDO ENSINA A VIVER - Em uma mesa de bar ouvindo algum ser humano dizendo isso pediria a conta. Mas, com o filme, entrei em contato com esse pensamento tantas vezes, tantas vezes essa ideia me consumiu que eu nem me apercebi dela em um primeiro momento. E ainda gostei! Ainda me peguei filosofando como nós aprendemos com o mundo, como nós somos ensinados com as dificuldades do mundo. Aquele homem reaprendeu a viver, ou seja, a sobreviver com o mundo que estava à frente dele e que, ao mesmo tempo, o consumia, fazia evairem-se as últimas pistas de que ali naquele cenário vivem seres humanos. O mundo os ensinou uma outra forma de vida, a morte em vida. E a morte em vida é um clichê! Mas o que fazer sem ela? Clichês desse tipo definem sentimentos e sofrimentos. Precisamos de definições em muitos momentos de nossas vidas. Respostas que não solucionem os problemas, mas que pelo menos os respondam.

NÓS NOS CONHECEMOS? - Atire a última pedra quem nunca pensou isso, mas não teve coragem de falar temendo ser considerado um piegas? Realmente, não nos conhecemos. Aquele homem lutando para continuar vivo numa sobrevida se conhecia? Saberia se seria capaz de fazer tudo o que ele fez se só tivesse tido contato com mundos cor-de-rosa? Naquele universo cinza, sem vida e cheirando à morte e desespero ele foi colocado face a face com uma parte dele que talvez nem soubesse que poderia existir. Perdeu a humanidade ou protegeu o pouco que lhe restava de humano em razão do filho? E nós? Nos conhecemos? Sabemos do que somos capazes numa situação-limite? Eu sei que é clichê, por isso nem me atrevo a perguntar isso em outro fórum que não seja esse! (rs.) A licença literária nos permite divagar por terrenos proibidos por nossas convenções sociais.

2 comentários:

Ana disse...

"Nós nos conhecemos" de fato Leusa, esse clichê vem a tona após assistir-se a esse filme. CAbe-se críticas e especulações inúmeras, em alguns momentos. São observações e palavras que saem meio que sem autorização. Pensamentos pragmáticos e rápidos que são fáceis de nascerem estando nós desse lado da tela. Mas de fato... quem somos nós pra especular acerca de tantas variáveis extremas?
Gostei de divagar sobre isso. "Só sei que nada sei" sobre uma situação como aquela (à Socrátes).

Glenda Carla disse...

Não. Não vivemos sem clichês, na verdade, não vivemos bem sem nada daquilo que achamos descartável.